terça-feira, 18 de novembro de 2008

O MILAGRE DO DESPACHO

E tudo começou assim:

Sempre que um aluno, independentemente da natureza das faltas, atinja um número total de faltas correspondente […] deve realizar, logo que avaliados os efeitos da aplicação das medidas correctivas referidas no número anterior, uma prova de recuperação, na disciplina ou disciplinas em que ultrapassou aquele limite, competindo ao conselho pedagógico fixar os termos dessa realização. (Diário da República, 1.ª série — N.º 13 — 18 de Janeiro de 2008).

Dez meses passaram e só há uma semana é que as criaturas despertaram para a realidade. Acordaram do torpor estupidificante em que se encontram normalmente. Começaram a sentir o mal estar da “reforma” que se aproximava, que os tocava, penetrando-os e perigando a sua vidinha imberbe que se desvanece lentamente num mar de futilidades, sendo a mediocridade o “está-se bem” do quotidiano. Da letargia ao despertar, foram lestos nas atitudes. Como feras encurraladas, perseguiram e atacaram rapidamente de forma selvática a “inocente” presa causadora do seu prurido.

Não se limitaram a “coçar-se” para aliviar a sensação de mal estar. Marcaram a sua posição de forma definitiva e contundente: FAÇA-SE GEMADA!

Muitas “figuras” ficaram chocadas com as atitudes das criaturas. Pessoalmente, condeno-o, mas não me sinto chocado. É que sou professor. Diariamente convivo com as criaturas que, por carência dos valores dos “cotas” agem assim (salvo poucas excepções sob ponto de vista estatístico).

E como se não bastasse, outras criaturas emergiram paternalmente, ofendidas, magoadas desiludidas até, pois as suas inocentes (mas incipientes) crias haviam sido acordadas do seu torpor. Pela primeira vez, a paz podre estabelecida nos últimos quatro anos foi afectada, podendo-se antever que, com ela, poderia surgir a tão desagradável e já erradicada “retenção por faltas”.

Mas que injustiça!!!

Como seria possível a fada madrinha ser tão cruel e insensível?

Afinal a história (como todos os contos de fadas) teve um final feliz. A varinha de condão agitou-se bem lá do alto da sua omnisciência e redigiu o MILAGROSO DESPACHO.

Rapidamente as criaturas acalmaram e, apaziguadas recolheram aos seus covis, onde usufruem o merecido descanso do guerreiro. Afinal, o injusto, o vil profanador era outro. Era a hidra (ser mitológico), das cento e tal mil cabeças que se revelaram iletradas por não perceberem a mensagem subjacente na Lei 3/2008 de 18 de Janeiro, Art.º 22.

Que desperdício de talento!...

É possível que a varinha de condão se ainda erga sobre as cabeças da terrível hidra e, com clemência, escrevinhe mais um despacho milagroso restituindo à hidra a glória de outros tempos.

QUEM SABE…

Mário Ferreira

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

PERCURSO DE UMA AULA DE SUBSTITUIÇÃO

"Também as aulas de substituição foram ridicularizadas e hoje ninguém fala disso. Foi necessário que o Ministério e a ministra resistissem. Resistimos e vencemos!" Esta frase, sintacticamente define bem o perfil da Sra. Ministra: Venceremos! Já parece um anterior dirigente do PS que afirmou "quem se meter com o PS, leva!".

Na realidade só quero lembrar a quem já "esqueceu" as críticas feitas às aulas de substituição e, principalmente aos pais (os principais iludidos e enganados pelo actual sistema educativo), que estas aulas, na maioria dos casos (em que oiço comentar), servem apenas para "prender" os alunos nas salas de aula. Senão, vejamos: um professor falta inesperadamente e, ao fim de 5 minutos é chamado um outro para proceder à substituição. Esse professor, sai do local onde se encontra, vai buscar uma ficha de trabalho inerente à área disciplinar que o professor faltoso deveria leccionar naquele momento. Estas fichas são produzidas pelos professores de cada área disciplinar e são colocadas no dossier de cada turma para a eventualidade de algum professor faltar. Continuando… após estar na posse da referida ficha, vai à reprografia, onde, com carácter de urgência, se fotocopiam o número de fichas necessárias para o professor substituto aplicar (não é leccionar, note-se) aos alunos do colega que faltou. Com isto, perdem-se entre quinze a vinte minutos de aula. Esses 15/20 minutos, são o verdadeiro pandemónio orquestrado pelos alunos que aproveitam a ausência de professor para gritar, pular e tudo quanto se possa imaginar, não obedecendo aos apelos proferidos pelo funcionário e, por vezes, dos professores que tentam leccionar nas salas contíguas. Finalmente, quando o professor substituto chega, começa a segunda fase da batalha. Esta, é tanto mais renhida quanto menos conhecido dos alunos da turma for o professor. É difícil aceitar na sala de aula um professor que nem pertence ao Conselho de Turma e muito menos, se este for desconhecido dos alunos. O desagrado é total e exprime-se muitas vezes por atitudes denunciadoras de uma grande falta de educação, respeito e de princípios básicos de convivência social. Quando, por fim, os ânimos se acalmam, o professor distribui as fichas de trabalho, independentemente de dominar ou não os conteúdos que está a aplicar. Pessoalmente, já fiz uma substituição em que fui aplicar uma ficha de inglês, área que não domino absolutamente nada.

A cada dúvida posta por um aluno sobre qualquer questão da ficha de trabalho, a imagem de ignorância sobre os conteúdos a explorar aumenta e, proporcionalmente, começa a aumentar nos alunos o espírito de contestação evidenciado por comentários animadores do tipo “se não sabe porque é que aqui está?” (é que o código de valores de alguns dos nossos jovens está muito aquém do respeito pelos outros). É fácil imaginar que, a partir daqui o pretenso rendimento que se poderia ter dissolve-se e volatiliza-se.

Findo o tempo da aula de substituição que pode ser apenas de 45 minutos (vejam o que rendeu esta substituição) os alunos vêm para o recreio. Se questionarmos os alunos acerca do que aprenderam/rentabilizaram naquela aula sobre os conteúdos que deveriam ser aplicados, estes não respondem… não há nada a dizer!

A estas “aulas de substituição”, onde um professor vai substituir um outro que faltou sem aviso prévio, chamam-se “Actividades Lectivas”. Como tal, as lições não são numeradas (ou seja, no balanço final do período – aulas previstas/aulas dadas, continua a haver um défice de aulas que deveriam ser leccionadas, mas o que é certo, é que os alunos (es)tiveram (n)as aulas todas na sala de aulas). Só são verdadeiramente aulas de substituição, devidamente numeradas e leccionadas por um professor da área disciplinar, quando há aviso prévio da falta do docente faltoso e este deixa um plano de aula onde conste o que iria leccionar nesse dia aos seus alunos – aqui sim, existe uma verdadeira substituição e os alunos não perdem com a ausência do seu professor, pois o que o substitui, sabe o que irá leccionar, já preparou a aula e, ao toque, apresenta-se na sala de aulas dentro do tempo regulamentar.

Esta é a realidade da VITÓRIA da Sra. Ministra da Educação e do Ministério.

Certamente que o que antes se aludia como ridículo, era a opinião dos professores cuja experiência já antevia algo do género.

No entanto, os professores continuam a tentar que as aulas de substituição frutifiquem, pois ainda existem alunos que tentam rentabilizar estas aulas. É pena tratar-se de um número incipiente face à maioria dos que, na mesma turma, tentam boicotar tudo, não permitindo que a minoria faça algo.

Às vezes pergunto-me se não seria melhor canalizar as minhas horas de substituição para dar apoio individual (tipo aulas extra) a alunos que tenham verdadeiras dificuldades às áreas disciplinares que lecciono e que se interessem por aprender e melhorar os seus resultados; ou ainda, ter uma hora extra destinada à minha função de Director de Turma para solucionar o problema de um “Manel” que provém de uma família desestruturada e passa a vida a bater aos colegas ou a fugir da escola, ou a dar apoio a uma “Maria” cujos pais estão em processo de divórcio e esta vive o horror do silêncio sem ter com quem desabafar. Poderia desfiar inúmeros casos problemáticos que infelizmente povoam a nossa sociedade/comunidade escolar e que necessitam mais do que uma hora semanal destinada à Direcção de Turma para serem acompanhados.

Enfim… no final desta reflexão, apenas me ocorre um provérbio (talvez por me encontrar exausto e de momento o meu cérebro precisar de descanso): “albarda-se o burro à vontade do dono.”


Mário Ferreira

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

INÍCIO DAS PASSADAS

Finalmente saí da prisão em que me encontrava.
Comecei a caminhada sozinho, mas com a pertinácia com que comecei a primeira etapa desta caminhada na vida de professor: os quatro anos da licenciatura.
Comecei em idade mais tardia que a quase totalidade dos meus colegas de curso... mas comecei e acabei! O objectivo foi cumprido, quer na quantidade (terminar o curso no menor tempo possível), quer na qualidade (terminar com nota mínima de 14 valores). Não foi uma nota muito boa, mas dadas as circunstâncias (ser trabalhador estudante), até que a empresa foi bem sucedida.
Com esta primeira postagem, inicio uma nova caminhada dentro da caminhada que encetei há quinze anos. Muitas são as razões para falar sobre a educação e o percurso que tracei dentro desta vida. Umas boas e outras menos boas. No entanto, o que me motivou verdadeiramente, foi ver a caminhada veloz em direcção ao abismo para onde se dirige esta "coisa" apelidada de educação. Entenda-se a educação como sendo a formal (escolástica) e a não formal (preservação dos valores familiares e sociais - os "bons costumes").
Que as palavras nã me faltem e sejam céleres e seguras tal como devem ser as passadas de quem tem uma longaviagem a percorrer.
Mário Ferreira